Primeiramente,
cabe contar uma pequena história que nos ajudará a entender a posterior
explicação.
Conta-se que Santo Agostinho andava em uma
praia meditando sobre o mistério da Santíssima Trindade: um Deus em três
pessoas distintas...
Enquanto
caminhava, observou um menino que portava uma pequena tigela com água. A
criança ia até o mar, trazia a água e derramava dentro de um pequeno buraco que
havia feito. Após ver
repetidas vezes o menino fazer a mesma coisa, resolveu interrogá-lo sobre o que
pretendia. O menino,
olhando-o, respondeu com simplicidade: -"estou
querendo colocar a água do mar neste buraco". Santo
Agostinho sorriu e respondeu-lhe: -"mas você não
percebe que é impossível?".
Então,
novamente olhando para Santo Agostinho, o menino respondeu-lhe: "ora, é mais fácil a água do mar caber nesse
pequeno buraco do que o mistério da Santíssima Trindade ser entendido por um
homem!". E continuou: "Quem fita o
sol, deslumbra-se e quem persistisse em fitá-lo, cegaria. Assim sucede com os
mistérios da religião: quem pretende compreendê-los deslumbra-se e quem se
obstinasse em os perscrutar perderia totalmente a fé" (Sto.
Agost).
Só
poderíamos compreender perfeitamente a Santíssima Trindade se nós fossemos
'deus'. Podemos, contudo, por meio da razão iluminada pela fé, chegar a um
conhecimento muito útil dos mistérios, considerando certas analogias da
natureza. Citemos algumas: o raio branco de luz, sendo apenas um, pode ser
decomposto em vermelho, amarelo e azul; a ametista brilha de três cores
diferentes, segundo o lado em que se observa: é purpúrea, violeta e rósea, sem
ser mais do que uma pedra. O fogo queima, ilumina e aquece, sendo apenas fogo,
etc.
Bem, a
Santíssima Trindade é superior à capacidade humana de entendimento, mas não
contraria a razão. Dizer que existe "um Deus em
três pessoas" é superior à capacidade de compreensão humana,
mas não é o mesmo que dizer que é "um Deus em
três deuses", que seria contrariar a razão humana. Ou seja, o
mistério é conhecido, mas não é compreendido em sua totalidade. Sabendo
disso, a Igreja aconselha muita cautela na busca de conhecer certos mistérios
superiores à nossa compreensão, conforme ensina o Catecismo Romano,
transcrevendo a Bíblia: "Quem quer
sondar a majestade, será oprimido pelo peso de sua glória"
(Prov. 25, 27).
Portanto, a
Santíssima Trindade só é conhecida através da Revelação, através das palavras
de Nosso Senhor Jesus Cristo, que era Deus e Homem verdadeiro. Disse Nosso
Senhor: "Ensinai todas as gentes, e
batizai-as em nome do Padre, e do Filho, e do Espírito Santo"
(Mt 28, 19). Na sua última prece, o Salvador pede que seus discípulos sejam um
como seu Pai e Ele não são mais que um (S. Jo., 17, 21). Também afirma: "Meu Pai e eu somos um" (Jo.,
10, 30), deixando clara a unidade de natureza entre o Pai e o Filho.
Em diversas
passagens, os apóstolos reconhecem Nosso Senhor como "Filho de Deus", que prometeu
enviar o "Espírito Santo"
sobre eles, que ressuscitou dos mortos ao terceiro dia pelo seu próprio poder,
etc. Na promessa
de enviar o Espírito Santo, Nosso Senhor, antes de se elevar ao Céu, anunciou
aos Apóstolos que o Pai lhes enviará o Espírito Santo, que os ensinaria e os
fortaleceria na fé: "Rogarei a
meu Pai e Ele vos mandará outro consolador" (Jo 14, 16, 26),
"o espírito da verdade" que
"vos ensinará tudo" (Jo, 14,
26). Ora, como não há ninguém senão Deus (a verdade), capaz de ensinar tudo,
resulta dessas palavras que tal consolador é Deus, como o Pai e o o Filho que
hão de mandá-lo. S. Pedro repreende Ananias que procurou iludir o Espírito
Santo, e acusa-o de ter assim mentido a "Deus", não aos homens (Act.
4, 5, 11) Na mesma passagem sobre o Espírito Santo, fica claro que as pessoas
são distintas: O Pai que envia, o Filho que roga ao Pai, o Espírito Santo que
será enviado.
Em II Cor,
13, 13 está escrito: "Estejam com
todos vós a graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do
Espírito Santo"!. No
"batismo" de Nosso Senhor, ao sair da água, os céus se abriram e o
"Espírito, como uma pomba",
desceu sobre Nosso Senhor e uma voz "veio dos
Céus: "Tu és o meu filho amado, em ti me comprazo".
Em São
Mateus, lemos: "Só o Pai conhece o Filho e o
Filho conhece o Pai"(Mt 11, 27; Lc. 10, 22). Em S. João, está
que o Espírito Santo "procede do
Pai", que é "enviado pelo
Filho" (Jo 15, 26; 16, 7). Respondendo
a Felipe, que lhe havia pedido para ver o Pai: "Filipe, quem me viu, viu também o Pai. Como é
que dizes: Mostra-nos o Pai? Então não crês que eu estou no Pai e que o Pai
está em mim" (Jo, 14, 9 e 10).
O mesmo que
Jesus Cristo explica da sua união com o Pai, afirma-o igualmente do Espírito
Santo. "Quando tiver vindo o Consolador
que eu vos mandarei de junto de meu Pai, o Espírito de verdade que procede do
Pai, Ele dará testemunho de mim" (Jo, 15, 26). Ora, o que
procede de Deus tem, forçosamente, natureza idêntica à de Deus.
Dessa forma,
fica clara a distinção de três pessoas em um só Deus, ou seja, três pessoas de
mesma natureza, poder e glória. Já no Antigo
Testamento a Trindade estava implícita. Citemos algumas passagens: Os
sacerdotes judeus deviam, ao abençoar o povo, invocar três vezes o nome de Deus
(Num. 6, 23). Isaías diz-nos (6, 3) que os Serafins cantam nos céus: Santo,
santo, santo é o Deus dos exércitos. Notemos sobretudo o estranho plural
empregado por Deus na criação do homem: "façamos
o homem à nossa imagem e semelhança"(Gen. 1, 26). No momento
da confusão de Babel: "Vinde, diz o
Senhor, confundamos a sua linguagem" (Gen. 11, 7). Por que
esse plural? Já, depois da culpa de Adão, o mesmo livro sagrado representa Deus
dizendo ironicamente: "Portanto eis
Adão que se tornou com um de nós, vamos agora impedir-lhe que levante a mão à
árvore da vida"(Gen. 3, 22). E David escrevia no Salmo CIX:
"Disse o Senhor ao meu Senhor: assenta-te à
minha direita".
Encontram-se,
no Antigo Testamento, duas expressões para designar a divindade: uma é "Jehováh", outra é "Eloim". Pelo parecer de
todos os hebraizantes, a primeira se aplica ao mesmo ser de Deus, à sua suprema
essência: está sempre no singular. A segunda exprime a idéia da presença de
Deus e do seu poder: vem sempre no plural e significa "os deuses";
mas, o que não deixa de surpreender é que esta palavra sempre no plural, rege
sempre no singular o verbo que a segue. Assim o primeiro versículo da Bíblia
traduzir-se-ia literalmente: "No
princípio, "os deuses" fez o céu e a terra". Os
sábios não duvidam em ver, nesta palavra "Eloim"
e no modo de se usar dela, uma expressão que deixa entender a existência de
várias pessoas em Deus.
a)
Testemunho dos Mártires. Era para confessar a sua fé na divindade das três
pessoas e particularmente em Nosso Senhor, que numerosos mártires sofriam os
suplícios mais cruéis. Assim, para citarmos um exemplo apenas, S. Policarpo
(166), discípulo de S. João, exclamava em frente da fogueira acesa: "Eu vos glorifico em todas as coisas, a vós, ó
meu Deus, com vosso eterno e divino Filho, Jesus Cristo, a quem, com o Espírito
Santo, seja honra, agora e para sempre".
b)
Testemunho dos Padres da Igreja. Nos escritos de certos Padres, encontram-se
testemunhos valiosíssimos desta nossa crença. Santo Inácio de Antioquia fala do
Pai, do Filho e do Espírito Santo como sendo três pessoas às quais devemos
respeito igual. Santo Irineu diz que "a Igreja,
espalhada pelos Apóstolos até os confins do universo, crê em Deus Pai
todo-poderoso, em Jesus Cristo, seu Filho, encarnado por nossa salvação e no
Espírito Santo que falou pelos profetas". Claríssimas são,
também, na sua conclusão, as palavras de Tertuliano: "O Pai é Deus, o Filho é Deus, o
Espírito-Santo é Deus e Deus é cada um deles".
c) Prática
da Igreja. De acordo com sua crença, a Igreja sempre administrou o batismo em
nome das três pessoas. Ocupa o primeiro lugar na liturgia, o mistério da
Santíssima Trindade. Dela fazem menção todas as bênçãos, todas as orações,
todas as cerimônias, quer por meio do sinal da cruz, quer pela dexologia:
"Glória ao Pai ao Filho e ao Espírito Santo". Ademais, sem
a divindade de Nosso Senhor, não haveria a redenção, que consiste na crucifixão
e morte de Nosso Senhor sobre a Cruz. Se Cristo não fosse Deus, o "pecado
original" e os nossos "pecados atuais" não poderiam ter sido
remidos, visto terem um valor infinito (pois foram praticados contra Deus, que
é infinito) e precisarem de um ser infinito para os expiar.
Para dar uma
explicação mais simples, sendo Deus onipotente e sendo o existir próprio à
eternidade de Deus e à sua natureza: "Eu sou
aquele que é", a imagem que Deus tem de si mesmo é o seu
Filho, o verbo de Deus. A este
pensamento vivo em que Deus se expressa perfeitamente a si mesmo chamamos Deus
Filho. Deus Pai é Deus conhecendo-se a si mesmo; Deus filho é a expressão do
conhecimento que Deus tem de si. Assim, a segunda Pessoa da Santíssima Trindade
é chamada Filho, precisamente porque é gerada desde toda a eternidade,
engendrada na mente divina do Pai. Também a chamamos Verbo de Deus, porque é a
"palavra mental" em que a mente divina expressa o pensamento sobre Si
mesmo.
Depois, Deus
Pai (Deus conhecendo-se a Si mesmo) e Deus Filho (o conhecimento de Deus sobre
Si mesmo) contemplam a natureza que ambos possuem em comum. Ao verem-se
(falamos, naturalmente, em termos humanos), contemplam nessa natureza tudo o
que é belo e bom - quer dizer, tudo o que produz amor - em grau infinito. E
assim, a vontade divina origina um ato de amor infinito para com a bondade e a
beleza divinas. Uma vez que o amor de Deus por Si mesmo, tal como o
conhecimento de Deus sobre Si mesmo, é da própria natureza divina, tem que ser
um amor vivo. Este amor, infinitamente intenso, que eternamente flui do Pai e
do Filho, é o que chamamos Espírito Santo, que procede do Pai e do Filho. É a
terceira Pessoa da Santíssima Trindade. Para deixar
mais claro o assunto, ainda é necessário fazer uma distinção entre a pessoa
(personalidade), e a natureza (que em Deus se confunde com a e essência e a
substância).
O Mistério
da Santíssima Trindade consiste propriamente no fato de uma essência ou
natureza única que subsiste em três pessoas. Pessoa é a
substância completa dotada de razão individual e autônoma. Na verdade, possuem
todos os homens a mesma natureza: todos têm corpo e alma racional. Entretanto,
esta natureza comum existe em cada um deles de modo diferente. Ora, o que
distingue um homem de outro homem, o que cada um tem de especial, é que
constitui sua autonomia, seu "eu" e chama-se
"personalidade", a "pessoa". Desta forma,
Deus Filho tinha a mesma natureza de Deus Pai, mas não era a mesma Pessoa.
Suponha que
você se olha em um espelho de corpo inteiro. Você vê uma imagem perfeita de si
mesmo, com uma exceção: não é senão um reflexo no espelho. Mas se a imagem
saísse dele e se pusesse ao seu lado, viva e palpitante como você, então sim,
seria a sua imagem perfeita. Porém, não haveria dois 'vocês', mas um só 'você',
uma natureza humana. Haveria duas 'pessoas', mas só uma mente e uma vontade,
compartilhando o mesmo conhecimento e os mesmos pensamentos.
Depois, já
que o amor de si (o amor de si bom) é natural em todo ser inteligente, haveria
uma corrente de amor ardente e mútuo entre você e a sua imagem. Agora, dê asas
à sua fantasia e pense na existência desse amor como uma parte tão de você
mesmo, tão profundamente enraizado na sua própria natureza, que chegasse a ser
uma reprodução viva e palpitante de você mesmo. Este amor seria uma 'terceira
pessoa' (mas, mesmo assim, nada mais que um 'você', lembre-se; uma só natureza
humana), uma terceira pessoa que estaria entre você e a sua imagem, e os três,
de mãos dadas: três pessoas numa só natureza humana.
Esse
exemplo, muito imperfeito, pode nos ajudar um pouco a entender a relação entre
as três Pessoas da Santíssima Trindade: Deus Pai "olhando-se" a Si
mesmo em sua mente divina (criadora) e mostrando ali a Imagem de Si, tão
infinitamente perfeita que é uma imagem viva: Deus Filho; e Deus Pai e Deus
Filho amando como amor vivo a natureza divina que ambos possuem em comum: Deus
Espírito Santo. Três pessoas divinas, uma natureza divina.
É claro, é
só um exemplo, muito imperfeito, mas que nos ajuda a compreender o grande
mistério que é a Santíssima Trindade, base de nossa Fé, fundamento de nossa
Redenção, sustentáculo de nossas vidas e no qual, todos os dias, através do
sinal da Cruz, nós afirmamos a nossa fé: Em nome do Pai, do Filho e do Espírito
Santo.
Extraído,
com adaptações, de vários livros.
FONTE:
http://www.lepanto.com.br/dados/ApSSTr.html
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